A relatora da comissão de educação e cultura Deputada Profª Dorinha Seabra Rezende votou pela rejeição ao PL. Confira o relato da professora abaixo:
Creches domiciliares representam retrocesso na luta histórica de inserir o direito educacional da primeira infância como parte do processo de educação básica, livrando-o das ações precárias de amparo social que o caracterizaram por décadas.
PROJETO DE LEI No 75, DE 2011
Dispõe sobre o atendimento em creches domiciliares das crianças de 0 a 3 anos em consonância com o que dispõe a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988; o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069, de 1990) e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei nº 9.394, de 1996).
Autor: Deputado LUIZ PITIMANRelatora: Deputada PROFESSORA DORINHA SEABRA REZENDE
I – RELATÓRIO
O projeto de lei em exame, de autoria do nobre Deputado Luiz Carlos Pitiman, dispõe sobre o atendimento de crianças de até três anos em creches domiciliares.
A proposição é composta de oito artigos, assim organizados:No art. 1º, define-se creche domiciliar como aquela que funciona em residência, com atendimento prioritário à mãe trabalhadora.
O art. 2º prevê que as creches domiciliares serão gradualmente substituídas por espaços permanentes criados pelos Municípios.
O art. 3º exige ensino fundamental completo e capacitação com carga horária não inferior a vinte horas – a ser ofertada pelo sistema de ensino – para aquelas pessoas interessadas em atuar como “mãe crecheiras”.
O art. 4º define que o número de crianças a serem atendidas em creches domiciliares dependerá das condições da residência, o que será disciplinado pelo órgão gestor.
O art. 5º determina que as prefeituras pagarão um “auxílio financeiro” às mães crecheiras, com a possibilidade de auxiliares para ajudá-la (art. 6º).
Por fim, o art. 7º estabelece que os órgãos técnicos do Município deverão prestar assistência ao trabalho socioeducativo e o art. 8º que as normas de funcionamento das creches domiciliares serão definidas pelos Municípios, em consonância com as metas do Plano Nacional de Educação.
Justificando sua proposta o autor recorre ao Plano Nacional de Educação, atualmente em apreciação na Câmara dos Deputados, que fixa meta de atendimento a cinquenta por cento da população de até três anos de idade.
A proposição, que tramita conforme o artigo 24, II, do Regimento Interno, sujeita à apreciação conclusiva pelas comissões, chega à Comissão de Educação e Cultura para análise de mérito, não tendo recebido emendas no prazo regimental.É o relatório.
II – VOTO DA RELATORA
O escopo do projeto de lei ora em análise é a expansão do atendimento às crianças de zero a três anos, por meio de creches domiciliares, caracterizadas como aquelas que funcionam em residências e sob responsabilidade da chamada “mãe crecheira”. Essa forma de atendimento seria, de acordo com o art. 2º do PL, gradualmente substituída por “espaços permanentes”, a serem criados pelo Poder Público Municipal.
É louvável e absolutamente oportuna a preocupação demonstrada pelo ilustre Deputado Luiz Pitiman. Afinal, trata-se de enfrentar o problema de ampliar as oportunidades de atendimento a cerca de três milhões de crianças de zero a três anos nos próximos dez anos, conforme determina a meta nº 1 da proposta de Plano Nacional de Educação enviada pelo Poder Executivo ao Congresso Nacional.
Do ponto de vista desta Comissão de Educação, cabe analisar a proposta sob a ótica do direito à educação e das exigências e características do sistema educacional brasileiro. Então, vejamos:
A educação infantil é direito, devendo ocorrer em creche e pré-escola para as crianças de até cinco anos de idade, conforme determina o art. 208, inciso IV da Constituição Federal. Nos termos do art. 29 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, a educação infantil é considerada a primeira etapa da educação básica, devendo cumprir a finalidade de desenvolvimento integral da criança, “em seus aspectos físico, psicológico, intelectual e social, complementando a ação da família e da comunidade”.
Por sua vez, o sistema educacional brasileiro é institucional, escolar, ou seja, a educação formal a ser ofertada pelo Estado deve ocorrer em instituições específicas, caracterizadas como estabelecimentos educacionais. Essas instituições devem obedecer a um conjunto de normas e procedimentos próprios, fixados de forma concorrente pela União, Estados e Municípios.
Destaco, a título de exemplo, a necessidade de que a ação educacional seja precedida de um projeto político pedagógico coletivo e sistematizado, que deve contar com a participação de professores e das famílias. Outro exemplo é a exigência prevista no art. 62 da LDB de que os profissionais que se dedicam a realizar o trabalho pedagógico devem ser formados em nível superior, em curso de licenciatura, admitida a formação em nível médio-modalidade normal para atuar na educação infantil e nas séries iniciais do ensino fundamental.
A “creche domiciliar” rompe com a concepção de que o atendimento à criança de até cinco anos deve ocorrer em estabelecimento de natureza educacional. Representa, neste sentido, um retrocesso na luta histórica de que este Congresso foi palco – e cuja vitória foi celebrada com a vigência da atual LDB - para inserir o direito educacional da primeira infância como parte do processo de educação básica, livrando-o das ações precárias de amparo social que o caracterizaram por décadas.
Destaco, a título de exemplo, a necessidade de que a ação educacional seja precedida de um projeto político pedagógico coletivo e sistematizado, que deve contar com a participação de professores e das famílias. Outro exemplo é a exigência prevista no art. 62 da LDB de que os profissionais que se dedicam a realizar o trabalho pedagógico devem ser formados em nível superior, em curso de licenciatura, admitida a formação em nível médio-modalidade normal para atuar na educação infantil e nas séries iniciais do ensino fundamental.
A “creche domiciliar” rompe com a concepção de que o atendimento à criança de até cinco anos deve ocorrer em estabelecimento de natureza educacional. Representa, neste sentido, um retrocesso na luta histórica de que este Congresso foi palco – e cuja vitória foi celebrada com a vigência da atual LDB - para inserir o direito educacional da primeira infância como parte do processo de educação básica, livrando-o das ações precárias de amparo social que o caracterizaram por décadas.
Cabe, ainda, um registro acerca da possibilidade de auxílio financeiro à “mãe crecheira” e seus auxiliares, previsto pelo projeto de lei. Há implicações que devem ser consideradas nessa proposta, como a precarização de direitos trabalhistas e a assunção de possíveis passivos judiciais. Há jurisprudência nos tribunais brasileiros tratando do vínculo empregatício entre as “mães crecheiras” e o poder público municipal. Em uma das argumentações, o Tribuntal Regional do Trabalho (TRT/9ª Região) diz:
“Estes (os entes públicos municipais) não podem querer retirar de seus ombros o dever que têm em relação aos seus munícipes, repassando-o a pessoas físicas em troca de alguns benefícios, que nada mais são do que salário „in natura‟”.
É imperioso encontrar caminhos para democratizar o acesso às creches. Assim, cabe destacar aqui a existência do Programa Nacional de Reestruturação e Aquisição de Equipamentos para a Rede Escolar Pública de Educação Infantil (Pró-Infância), financiado pelo Ministério da Educação, que prevê a construção de seis mil creches e pré-escolas até 2014.
Inúmeras prefeituras estão também tentando encontrar caminhos para ampliar o atendimento à educação infantil. Ao percorrermos esses caminhos, será imprescindível ter em mente que o direito à educação cumpre-se não somente com a expansão quantitativa do atendimento, mas com uma oferta de qualidade, que atenta efetivamente às necessidades de uma fase decisiva no desenvolvimento das gerações futuras do Brasil.
Isto posto, o voto é pela rejeição do PL nº 75, de 2011.Sala da Comissão, em de de 2011.
Deputada PROFESSORA DORINHA SEABRA REZENDE
Relatora
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